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Ana Marina Ferrer diz que não foi avisada
sobre a mudança mínima de pontos para troca de passagens, que passou de
15 mil para 20mil |
Os programas de fidelidade de
cartões de crédito por pontos, que deveriam ser um benefício para os
correntistas, estão se transformado em problema para clientes, com
alguns casos podendo chegar à Justiça. Seja pela demora na transferência
dos pontos para as companhias aéreas ou pela falta de informações sobre
o próprio serviço, muitos consumidores se mostram insatisfeitos. Tanto
que as reclamações se repetem entre parte dos usuários. Além da demora
no repasse dos pontos – que acarreta a perda de promoções de passagens
aéreas–, atendimento ruim, cancelamento do cartão seguido da perda da
pontuação e alteração nas regras estão entre as principais reclamações.
Uma
delas, inclusive, tem ganhado destaque nos blogs especializados em
passagens aéreas. No Melhores Destinos e no Aquela passagem, clientes
reclamam da mudança nas regras do programa Sempre Presente, do Banco
Itaú. A insatisfação é justificada pelo aumento em 100% do limite mínimo
para a transferência de pontos para as companhias aéreas. Agora, os
consumidores precisam ter 20 mil pontos para fazer a transferência e
trocá-los por uma passagem aérea. Antes, com 10 mil pontos obtidos nos
cartões de crédito Itaucard era possível realizar a troca.
Ainda
de acordo com os consumidores, a decisão não foi comunicada aos
participantes do programa. Para juntar 20 mil pontos pelo Itaú, os
clientes que pagam uma fatura média de R$ 1 mil vão levar 40 meses – 3
anos e 4 meses. Isso porque o banco converte a fatura em dólar e
remunera o cliente com um ponto por dólar, o que, nesse caso,
significaria 500 pontos por fatura, considerando a cotação do dólar na
casa dos R$ 2.
A decisão afeta consumidores que optam pelos
programas Smiles Gol, TAM Fidelidade, Lanpass e TAP Victoria. O Itaú tem
ainda convênio com a CVC, mas o vale-presente mais barato, no valor de
R$ 250, custa ao cliente 39,6 mil pontos. A empresária Ana Marina
Cipriano Rabelo Freitas Ferrer, que há oito anos é correntista do Itaú,
revela desconhecer as alterações nas regras do programa Sempre Presente e
reclama da falta de informações. Segundo ela, que usa o cartão de
crédito para fazer as compras da loja, a intenção é concentrar os gastos
no dinheiro de plástico para depois utilizar o benefício.
Ela
conta que em cinco faturas acumulou 15 mil pontos e não sabia que agora
precisará ter no mínimo 20 mil para conseguir uma passagem. A intenção
da consumidora era utilizar ainda este ano os pontos adquiridos para
voar até Corumbá, em Mato Grosso do Sul, onde vive a sua família.
“Entendo que esse é um direito adquirido a partir do momento em que pago
pelos pontos. Mas percebo que a falta de informações pelos bancos
atrapalham a utilização do benefício”, diz. “Não fui informada da
mudança e nunca recebi um documento com informações sobre as normas”,
acrescenta.
Segundo Ana Marina, há cerca de dois meses ela vem
tentando obter informações sobre o programa e a transferências dos
pontos no banco. “Já procurei saber com a gerente, mas até hoje os meus
pontos estão parados. Tenho medo de que a validade dos pontos expire e
eu não consiga, de fato, utilizá-los na troca por passagens”, afirma.
Usuário
do Programa Fidelidade, do Santander, o engenheiro mecânico Fernando
Quadros precisou usar os seus pontos para fazer uma viagem, mas foi
surpreendido pela demora do processo. “No atendimento da operadora do
cartão fui informado que o tempo para transferência das milhas é de até
oito dias úteis, ou seja, quase duas semanas, e esse prazo fez com que
eu perdesse algumas promoções de trechos”, explica. O consumidor
questiona os prazos do programa e diz que nem em uma transação bancária
internacional os prazos são longos como o estabelecido pelo banco no
resgate dos pontos. “A publicidade na TV não fala sobre isso, apenas
sobre as vantagens de acumular pontos no cartão de crédito A ou B”,
lembra.
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Fernando Quadros reclama da morosidade para transferir pontos e diz que, com isso, perdeu chance de resgatar prêmio oferecido |
Insatisfeito,
Quadros reclama do atendimento recebido durante o pedido de
transferência dos pontos e das oportunidades de compra perdidas com a
demora. “O programa de milhagens do cartão é muito vantajoso, mas o
setor de atendimento não informa o motivo dessa morosidade. Com isso,
perdi oportunidades para o resgate da passagem e tive prejuízos
financeiros”, reclama. “Creio que temos tecnologia disponível suficiente
para uma transação bem mais rápida, porém não sinto dos bancos e
companhias aéreas esse interesse”, conclui.
POLÍTICA Procurada,
a Itaucard confirmou as mudanças no Sempre Presente para o resgate de
pontos de companhias aéreas e justificou que a alteração ocorreu “em
função de ajustes da política praticada pelas próprias companhias”.
Ainda de acordo com a Itaucard, as alterações foram comunicadas no site
do programa.
Por nota, o Santander informou que o prazo de oito
dias úteis para o resgate está estabelecido no regulamento do Recompensa
Superbônus, disponível no site do banco. Afirmou ainda que o prazo visa
atender todas necessidades nos processamentos das transações entre as
empresas, mas que busca solucionar as demandas de seus clientes no menor
prazo possível.
Falta de informação e abuso são comunsSegundo
o advogado especialista em defesa do consumidor Luiz Fernando Valadão
Nogueira, a fidelização do cliente por meio de pontuação pode ser
considerada uma relação de consumo, e por isso, em casos de
insatisfação cabe reclamação nos órgãos de defesa do consumidor, mas
também o encaminhamento do problema à Justiça . Isso porque, segundo
ele, o cliente é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Ainda
de acordo com Valadão, como os bancos convencem o cliente, por meio de
publicidade, a obter pontuação que será trocada por benefícios, há a
obrigatoriedade de que também resguardem os direitos de seus clientes.
“O Código de Defesa do Consumidor (CDC) exige que não haja publicidade
enganosa e que não se coloque em vigência métodos desleais para atrair o
consumidor”, diz. “Essa é uma relação bilateral. Se para atingir o
benefício o consumidor cumpriu sua parte ao utilizar o cartão para
alcançar a pontuação, os bancos também devem cumprir sua parte”,
comenta.
Para o assessor jurídico do Procon Assembleia, Renato
Dantés Macedo, o grande problema dos programas de fidelidade é a falta
de informação. “Não existe um contrato apenas para o plano de fidelidade
oferecido pelos bancos, a bonificação é embutida no cartão de crédito e
as informações ficam dispersas”, diz. Como o consumidor deve ir atrás
das informações, muitas dúvidas acabam sendo geradas no processo de
obtenção, resgate e troca dos pontos. “Muitas vezes as regras e normas
são alteradas em função da falta de informação e aí o direito é
violado”, explica.
Para esses casos, no entanto, o assessor
lembra que há a proteção pelo código. “O que não pode ocorrer é uma
alteração unilateral, porque o direito do consumidor fica restringido,
e, dessa forma, temos uma prática abusiva”, esclarece. Entre os abusos, o
assessor jurídico destaca não só o aumento de pontos mínimos para a
transferência como também os prazos estendidos para o resgate dos pontos
que culminam na perda de promoções de passagens. Macedo lembra que, no
caso de alterações, os atingidos devem ser apenas os novos clientes.
“As mudanças devem valer apenas para os novos contratos e não para os
antigos. Os correntistas que já usam o plano há muito tempo devem
continuar com a política válida anteriormente”, orienta.
PREFERIDOS
A TAM e Gol Linhas Aéreas estão entre as companhias mais procuradas
pelos consumidores, por meio das redes Multiplus e Smiles,
respectivamente. As redes transformam os pontos acumulados em passagens
aéreas e outros produtos. Só na Multiplus, por exemplo, 300 mil
passagens são trocadas todos os meses, o equivalente a 95% das operações
de troca.
Artigos que protegem os
consumidores nesse caso
Art. 6º – São direitos
básicos do consumidor:
III
– a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço,
bem como sobre os riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V
– a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas;
Art. 46 – Os contratos que
regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não
lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu
conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a
dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 51º –
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV –
estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé
ou a equidade.
Fonte: Código de Defesa do Consumidor (CDC)